Macaé, 9 de junho de 2023.
* Dr. Fabricius Assumpção
Desde seu advento, no final da década de 1960, até sua popularização recente, a internet se expandiu de tal maneira a ponto de vir sendo utilizada (e exponencialmente) para várias finalidades antes inimagináveis: realizar negociações comerciais, buscar conhecimento, conhecer pessoas, manter relacionamentos, produzir atividades de marketing pessoal, buscar diversão e, em alguns casos, promover transtornos para outras pessoas, incluindo prejuízos financeiros das vítimas. Diante desses fatos, pois, surge a necessidade de uma análise das questões jurídicas que envolvem a internet, uma vez que ela traz consequências para o mundo do Direito.
A internet, ao se tornar a principal tecnologia de informação utilizada e por intermédio de terminais como o computador, o tablet e o smartphone, também trouxe a necessidade de um novo olhar sobre velhos direitos, tais como à informação, à comunicação, à liberdade de expressão e à privacidade. Para tanto, são atribuídas várias terminologias para designar o estudo do Direito sobre os problemas jurídicos que ocorrem no uso da Tecnologia da Informação, a exemplo de “direito da informática”, “direito do espaço virtual”, “direito eletrônico”, “direito digital” etc.
Apesar de antes da internet a informática em si tenha transformado o mundo, a sua revolução não suprimiu o que se havia feito no passado, a exemplo dos sistemas da produção de bens que não se encontram apenas mecanizados, como também eletronizados, e por programas de dados e a grande maioria dos negócios jurídicos que são realizados mediante o processo de computação, ainda que não celebrados pela via virtual. Daí a crítica à terminologia “Direito da Informática”, pois que ela não realizaria ou resolveria problemas jurídicos levantados pelo computador por várias razões, segundo o professor Roberto Senise Lisboa:
a) o computador não é pessoa, mas bem e incumbe à Ciência Jurídica promover a pacificação social mediante a previsão de normas aplicáveis às relações interpessoais;
b) em direito, as relações não têm domínio: quem tem o domínio ou a posse de um bem, corpóreo ou não, é a pessoa; e
c) o Direito da Informática regula as relações jurídicas celebradas pelo meio virtual, e nada mais.
O Doutor e Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Tarcisio Teixeira, por sua vez, prefere a terminologia “Direito Eletrônico” (em que pese ele não ter restrição a “Direito Digital”), tendo em vista o emprego recorrente do vocábulo “eletrônico” em expressões a exemplo de “comércio eletrônico” e “correio eletrônico”. E acrescenta o autor:
Além do mais, a palavra “eletrônico” está relacionada à eletrônica, que é aquela parte da física que trata de circuitos elétricos; sendo que a comunicação via computador se faz por meio de impulsos elétricos, o que caracteriza como comunicação eletrônica. Por essa razão, justifica-se o adjetivo eletrônico para a comunicação gerada por impulsos elétricos, seja um contrato ou não.
Já o “Direito Digital”, na lição do professor Tiago Fachini:
(…) é um ramo do direito que tem como objetivo proporcionar as normatizações e regulamentações do uso dos ambientes digitais pelas pessoas, além de oferecer proteção de informações contidas nesses espaços e em aparelhos eletrônicos.
Trata-se, portanto, de um ramo bastante novo do direito, uma vez que lida diretamente com o uso da tecnologia, em particular da internet e dos meios digitais.
Uma vez que a tecnologia e o uso da internet são cada vez mais interconectados com todas as relações humanas, o direito digital se torna cada vez mais relevante para a proteção das informações das pessoas, além de se tornar, ao mesmo tempo, uma área do direito cada vez mais importante e frutífera.
Com a era digital e com a informatização das coisas, surge no meio desse desenvolvimento um problema natural: onde há mais tecnologia, há também mais riscos de ataques virtuais, roubo, vazamento e destruição de dados e hackeamento de informações relevantes para pessoas, empresas e governos.
A criação de normas e procedimentos para a proteção das pessoas atacadas e a punição de condutas que prejudiquem terceiros digitalmente, portanto, é um caminho também natural a seguir seguido.
Apesar de não considerar o Direito Digital como um ramo novo do Direito (entendimento empregado nesse curso), mas uma nova visão que pode ser entendida como um vetor que afeta a relação entre as pessoas físicas ou jurídicas devido à utilização intensiva de tecnologia, João Vitor Rodrigues dos Santos aponta as áreas afetadas e exemplos a respeito:
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Constitucional: como fica a questão de privacidade quanto ao monitoramento de e-mails;
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Tributária: impostos sobre transações online;
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Penal: crimes de calúnia, injúria, entre outros, cometidos por meio da internet;
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Código de Defesa do Consumidor: compartilhar banco de dados com informações do consumidor;
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Direitos Autorais: baixar música pela internet sem autorização do autor ou o detentor dos direitos patrimoniais;
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Trabalhista: empregado que curte ou compartilha informação desabonadora do empregador pode ser demitido por justa causa;
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Empresarial: empresas terceirizadas não estão em conformidade com as normas de uso/acesso aos dados pessoais dos Clientes (…).
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João Vitor Rodrigues dos Santos ressalta também a íntima relação entre o Direito do Consumidor e o Direito Digital quanto a questão da proteção aos direitos do consumidor, visando principalmente as relações de consumo estabelecidas via Internet.
Existe autor, todavia, que não faz distinção entre Direito Informático, Direito Digital e Direito Eletrônico (empregando, inclusive, a terminologia “informática jurídica”, embora não se dedicando o seu estudo apenas ao uso dos aparatos da informática na condição de meio auxiliar ao direito), preferindo, no entanto, utilizar “Direito Eletrônico”. Existe autor, ainda, que entende que Direito Digital e Direito Eletrônico possuem o mesmo sentido.
Porém, a despeito de o Direito Digital incorporar áreas do Direito já existentes, cuja aplicação de uma ou mais se dará de acordo com o caso concreto (a relação jurídica específica) e, via de regra, em virtude do uso da internet e dos meios digitais relacionados, tal uso não se restringe a essas tecnologias.
Ao tratar da contratação eletrônica, Tarcisio Teixeira a conceitua como aquela celebrada via computador, em rede local ou na internet. Essa contratação se daria de maneira idêntica àquela “convencional” quanto à capacidade do agente, objeto lícito e forma válida (art. 104 do Código Civil), tendo como única diferença o ambiente em que é celebrada (para ele, “virtual”).
Tal conceituação, no entanto, seria criticável sob o ponto de vista das novas tecnologias já utilizadas e daqueles que estão por vir. É o que pensa Rodrigo Fernandes Rebouças, para quem na contratação eletrônica:
(…) não é necessário possuir ou portar um computador para sua celebração (hoje pode ser realizada por aparelhos móveis do tipo smartphones ou por tablets) e não mais computadores tradicionais como eram até então conhecidos, nem tão pouco da utilização de uma rede de telecomunicação, já que são admitidos outros meios de conexão à Internet tal como rede elétrica.
Vale aqui lembrar que, qualquer referência ao meio de acesso à Internet pelo respectivo usuário estará sujeita a uma rápida desatualização. Estamos presenciando uma evolução tecnológica sem precedentes na história da evolução da humanidade, e certamente tais meios tecnológicos que são conhecidos hoje (início do século XXI), serão superados (…).
Assim nos parece que um conceito ideal de contratos eletrônicos não deva incluir (ou, na nossa opinião, ficar adstrito – grifo) a forma de comunicação de acesso à Internet (pois ela é indiferente para a contratação eletrônica) e/ou o meio (hardware) que será empregado pelas partes de cada um dos polos contratantes(…).
Ante ao exposto, considerando a acepção mais moderna e ampla da terminologia “Direito Digital”, pois que absorveria todas as outras, seria ela a mais adequada para a atualidade.